Traços - Novel - Capítulo 30

Jiheon não conseguia se lembrar como reagiu naquela época. Talvez ele tenha dito algo como “Ei, você também nada nessa forma?” com um sorriso, ou “Você tem que consertar isso”, com uma cara séria, ou talvez ele simplesmente não tenha conseguido dizer nada.

Do que ele se lembrava vividamente era do calor inesperado que sentiu quando o garoto fez aquele comentário. Foi por isso que ele não conseguiu entregar ao técnico a carta que havia escondido em sua bolsa – a carta que declarava seu desejo de parar de nadar. Ele simplesmente a guardou e voltou para casa.

No final, Jaekyoung não mudou nada em sua braçada. Ele ainda girava o ombro amplamente e movia os braços vigorosamente, como antes.

Ver Jaekyoung nadar da mesma forma que antes despertou um turbilhão de emoções em Jiheon.

Aquele cara era completamente diferente dele. Jiheon sentiu uma mistura de vergonha por ousar dar conselhos baseados apenas em seus próprios padrões e uma pontada de inveja de Jaekyoung, que ainda estava no topo do mundo, sem se machucar como ele, apesar de ter aprendido da mesma forma.

Seu corpo naturalmente forte, membros longos, mãos e pés grandes e o poder de avançar vários metros com um único golpe atingiram Jiheon como uma onda de inveja.

Mas a lembrança dos olhos do garoto brilhando de admiração quando olhava para Jiheon – essa lembrança fez seu coração disparar e tremer.

— Tem certeza de que não vai tentar, hyung?

Antes que ele percebesse, Jaekyoung já havia passado 400 m, totalizando 500 m.

Quando Jiheon apenas respondeu com um sorriso em vez de responder, Jaekyoung tirou os óculos de proteção e suspirou.

— Sério? É pedir muito?

Jaekyoung tinha cílios especialmente longos, provavelmente por causa de seus olhos profundos. Quando as gotas de água se acumulavam, eles se agarravam como pedras preciosas. Depois de piscar algumas vezes e ainda não ter se livrado da água, ele esfregou os olhos com a mão.

Jiheon achava aquele olhar muito bonito, como há muito tempo, com aquela inocência infantil aparecendo – uma raridade para alguém da sua idade.

Quando Jaekyoung tirou os óculos de proteção depois de nadar, Jiheon esperou que ele esfregasse os olhos com a mão. Sim, exatamente como agora.

— Hyung.

Jaekyoung esfregou gentilmente os olhos e chamou Jiheon.

‘Ei, não é um pouco injusto me chamar com o mesmo olhar que você tinha há dez anos?’

Falando consigo mesmo, Jiheon se levantou.

— Nossa, estou me sentindo como se fosse morrer.

Ele se levantou com um gemido, colocou os óculos de proteção e se dirigiu à linha de largada.

Quando Jiheon subiu no bloco de largada, Jaekyoung pareceu um pouco surpreso.

‘Por que essa expressão depois de toda essa confusão?’

Jiheon deu um sorriso para ele enquanto ajustava as tiras dos óculos de proteção. Em seguida, ele se abaixou e ficou em sua posição – pronto para saltar.

Ele pensou que seria bom se ele simplesmente não assumisse a postura depois de tanto tempo, mas assim que abaixou a cintura, suas duas mãos agarraram a parte da frente do ponto de apoio e seu pé esquerdo foi para trás. Seu peso foi transferido para o pé esquerdo e ele naturalmente se lançou na água no momento certo.

Seu corpo mergulhou fundo na água. Ele perdeu a conta de quantas vezes teve sonhos como esse nos últimos dez anos. Mas a sensação não era tão pesada como naqueles sonhos. Ao contrário, era mais como voar, sem peso e com facilidade. Por isso, ele teve de iniciar o chute de golfinho um pouco mais perto da superfície do que o normal.

Não foi diferente depois de voltar para fora da água. Seu corpo ainda parecia incrivelmente leve. Foi a primeira vez desde o Campeonato Mundial que ele se sentiu tão leve. Não doía quando ele balançava os ombros com toda a força que podia, e os cotovelos estavam se sustentando bem.

Jiheon já tinha ultrapassado a marca dos 50 m depois de apenas algumas braçadas e, quando se virou, começou a mover os braços com mais vigor. Ele não estava em uma corrida, nem precisava estabelecer nenhum recorde, mas seu corpo acelerou o ritmo. Ele adorava esse momento de avançar enquanto cortava a corrente fria, então não tinha escolha a não ser se movimentar mais vigorosamente e mais rápido porque queria aproveitar mais.

De repente, o rosto de Jaekyoung apareceu em seu campo de visão. Jiheon pensou brevemente em parar, mas seus braços continuaram o movimento independentemente de seus pensamentos.

Por fim, ele chegou ao final sem parar e tocou a parede com a mão, como se fosse um touchpad, interrompendo o movimento.

Ao tirar os óculos de proteção, Jaekyoung disse:

— Está verificando o tempo? Por que está virando o pescoço desse jeito?

— Ei, pare com isso.

Jiheon disse assustado. Isso era algo que o técnico Lim costumava gritar com as crianças o tempo todo. Jaekyoung caiu na gargalhada, achando a reação de Jiheon engraçada.

Jiheon não disse nada, mas ficou bastante surpreso. Ele nunca tinha ouvido Jaekyoung rir tão calorosamente antes. Era a primeira vez que ele o ouvia rir e o via se divertindo tanto.

Por alguma razão, seu coração estava batendo forte. Como naquela ocasião, há dez anos, seu coração se agitou quando Jaekyoung disse que seu movimento era legal.

Com vergonha, Jiheon limpou rapidamente o rosto molhado com as duas mãos e disse:

— O técnico Lim costumava dizer isso mesmo quando os alunos saíam bem.

— Ele é muito exigente.

— Sim, ele é do tipo que acha que precisa gritar de vez em quando.

— Eu realmente odiava ele.

— Porque ele bebia muito?

— Isso também.

Jaekyoung apenas respondeu brevemente, sem dar motivos específicos para não gostar de seu antigo treinador. Bem, deve ter alguns motivos pelos quais não gostava dele. Dizer todos os motivos seria interminável.

— Ele não era um grande treinador, honestamente. Ensinar não é seu forte. Ele é muito autoritário. Mas como atleta, bem, ele não era ruim. — Jiheon assentiu com a cabeça antes de continuar.

— Ele ganhou uma medalha de prata no nado de costas nos Jogos Asiáticos. Ele fez uma pausa por alguns anos devido a uma lesão no meio do caminho, mas é incrível ver que ele ainda conseguiu uma medalha após a reabilitação. Acho que ele era forte e resistente quando era atleta.

Jaekyoung, que estava ouvindo em silêncio, falou de repente:

— Hyung, você sempre tende a encontrar o lado positivo das pessoas.

— Eu?

Quando Jiheon perguntou com uma expressão sem graça, Jaekyoung assentiu:

— Você está sempre em busca de algo para elogiar.

— Sério? Acho que isso se chama risco profissional? Para fazer esse trabalho, preciso entender os pontos fortes e fracos dos atletas.

— Você sempre foi assim.

Como Jaekyoung disse isso de forma tão dura, Jiheon não teve escolha a não ser dizer: — Ah, sério? — Com uma expressão envergonhada.

— De qualquer forma, estava brincando sobre seu pescoço virar. Sua braçada foi ótima, e sua postura não foi prejudicada de forma alguma.

Ele jogou água em seu ombro enquanto falava.

— Bem, isso se deve ao fato de ter começado um pouco devagar. Se eu tivesse ido mais rápido, minha postura teria ficado uma bagunça.

Jaekyoung fez uma cara que parecia sugerir: — Acho que está bom assim mesmo.

— Hyung, você não nada há dez anos?

— Sim, esta é a primeira vez que volto para a água.

— Por quê?

— Porque estou ocupado?

Jiheon caiu na gargalhada, dizendo que era apenas uma piada.

— Nunca participei porque achei que se eu fosse com outra pessoa, ela acabaria pedindo para me ver nadar.

— Você poderia ter mostrado a eles, certo?

— Não.

— Por que não?

— Pareceria que eu estaria me exibindo, mesmo tendo parado de nadar.

— Mas você ainda é bom nisso. O que há de errado nisso?

Jaekyoung parecia não entender.

Quando Jiheon deu uma risada, Jaekyoung respondeu com um biquinho de criança.

— Você poderia ter nadado sozinho.

Jiheon, porém, balançou a cabeça lentamente, demonstrando sua relutância.

— Parei de nadar e há anos não entro muito na água.

— Você está cansado disso?

— Talvez? E havia tantas outras coisas para fazer além de nadar.

Depois de parar de nadar, Jiheon se viu envolvido em várias outras coisas para fazer. Ele explicou enquanto colocava os dois braços em uma corda.

— No ensino médio, eu me preparava para o vestibular. E estava ocupado jogando na faculdade.

— Você deve ter se divertido muito.

Jaekyoung comentou com um zumbido.

— Sim, aproveitei esses momentos.

Jiheon sorriu e acenou com a cabeça.

— Mas, por volta do meu terceiro ano de faculdade, creio eu? Fui passar férias em uma casa com piscina com amigos. A piscina era bem grande.

— Você nadou?

— Não.

Jiheon manteve seu sorriso e respondeu.

— Não entrei nem uma vez durante os três dias.

— Por que não?

— Sabia que, se o fizesse, com certeza iria querer nadar. E então voltaria a pensar nos velhos tempos.

Jiheon colocou seu peso na corda do percurso, fazendo com que ela balançasse e criasse ondulações na superfície da água que, de outra forma, seria calma. Ele se apoiou na corda e balançou uma perna para frente e para trás na água.

— Costumava pensar que as pessoas que abandonavam seus esportes não queriam falar sobre isso devido ao treinamento difícil e à dor das lesões. Achava que elas odiavam o esporte por causa dessas lembranças. Mas não era esse o caso. São as emoções persistentes que eles deixaram para trás.

A água envolveu os dedos de seus pés, joelhos e coxas. A mesma água que ele havia apreciado, mas da qual tentava se distanciar, agora estava abraçando todo o seu corpo novamente.

— Pensamentos como “e se eu tivesse aguentado um pouco mais” ou “e se eu tivesse tentado mais uma vez”…  eu odiava por causa desses sentimentos permanentes.

Jiheon assentiu lentamente.

— Mas, ainda assim, o resultado provavelmente não teria mudado. Tenho certeza disso em minha cabeça, mas não consigo me livrar totalmente disso. É por isso que se chama permanente.

— Hyung.

O súbito chamado de Jaekyoung fez com que Jiheon levantasse a cabeça.

— Hmm?

Quando seus olhares se cruzaram, Jaekyoung falou com uma voz suave.

— Você odiou me ver nadar?

Como Jiheon estava pensando no que dizer, ele decidiu ser honesto.

— No começo, talvez um pouco… — Ele acrescentou rapidamente.

— Mas não mais. E, para ser sincero, no começo não havia o odiado. Ver você nadar porque achava que era incrível. No entanto, também me fez lembrar do meu próprio passado e como eu era antes, então foi um pouco difícil para mim.

Mas quanto mais ele olhava para a situação, mais percebia que toda essa inveja e inferioridade eram inúteis.

Jaekyoung era Jaekyoung. Ele não era o melhor do mundo à toa, e se esforçou ainda mais do que Jiheon. Era injusto que alguém que não havia feito o mesmo esforço sentisse inveja dele.

Ele nem mesmo era mais um atleta. Seu papel havia mudado para cuidar e apoiar os atletas. Ambos tinham papéis diferentes, e ele não queria sofrer fazendo comparações com o passado. Jaekyoung era alguém com quem ele precisava cooperar e proteger, não competir.

Seus próprios concorrentes não eram os nadadores na água, mas as agências fora da água. E agora, ele tinha Jaekyoung.

Embora Jaekyoung tivesse o corpo perfeito que todo atleta cobiçava, também era o atleta perfeito que todas as empresas cobiçavam. Tendo o que eles tanto queriam, Jiheon teve que correr sem mais desculpas.

Se ele deixaria ou não essa equipe de administração exclusiva era uma questão para o futuro. Nesse momento, ele tinha que fazer tudo o que pudesse por Jaekyoung enquanto ainda estivesse ao seu lado.

.

.

.

LILITH TRADUZ (@lilithtraduz)