Lua de Sangue - Novel - Capítulo 9 - O Mundo Fora Dos Portões De Ferros
— Só mais uma mordida.
O rosto de Radan manteve uma expressão perplexa com as palavras de Leshak.
— Você realmente não pode comer?
— Bem…
— Apenas uma mordida. Este é o último.
— OK.
Radan abriu a boca com relutância. O último pedaço de carne que Leshak colocou na boca derrete sem precisar mastigar.
— Ótimo, agora você comeu o pedaço inteiro.
Leshak sorriu satisfeito. Não importa como você olhe, Radan era muito pequeno e muito magro. Eles deviam estar alimentando-o com comidas estranhas, como cobras secas, com o propósito de fazê-lo parecer três ou quatro anos mais jovem do que realmente era.
Sempre que Lashek pensava nisso, ficava obcecado em alimentar Radan. Talvez ele só quisesse compensar imediatamente todas as coisas que Radan foi negada. Até ele sabia que era absurdo ficar obcecado por algo que era impossível.
Radan lambeu o molho nos lábios. Era algo que uma pessoa não familiarizada com o uso de guardanapos faria, mas enquanto Leshak observava, pensamentos absurdos passaram por sua cabeça.
‘Merda! Eu perdi, deveria ter percebido. Eu pensei em mim mesmo. Aí acabei ficando surpreso comigo mesmo… o que estou pensando agora…’, ele imaginou como seriam os lábios com molho misturado com saliva. Não foi difícil imaginar o sabor. Mesmo assim, Leshak sentiu suas mãos tremerem porque queria experimentar o sabor.
— Agora que terminamos de comer, por que não vamos dar um passeio?
Leshak disse enquanto se levantava na frente da mesa. Ele sugeriu isso porque estava preocupado com o que aconteceria com sua cabeça se continuassem juntos na estreita tenda.
— É um período de luto, mas tudo bem. Parece que vai ser um dia lindo.
— Caminhar?
Radan franziu um pouco os lábios e perguntou. Não parecia que ele quis dizer alguma coisa com isso, pois pareceu surpreso, era apenas uma caminhada.
Por que? Leshak lambeu os lábios secos. Mas por que parece que esse gesto significa que ele poderia beijá-lo?
— Você não quer?
Radan baixou a cabeça por um momento e ponderou. Leshak não sabia o que estava pensando há tanto tempo: qual era o significado de ‘uma caminhada’.
— Você está muito pálido. A exposição ao sol vai beneficiar a sua saúde, assim como caminhar.
— Ah…
Radan finalmente entendeu o que ele quis dizer com a caminhada. Ele se atrapalhou e se levantou.
— Sim, isso é… bom.
Dizer não é tão bom quanto fazer você se sentir mal, por mais perigoso que pareça. Se gosta de caminhar, não seria legal beijá-lo? Leshak bateu com a testa no pilar da tenda. ‘Calma, desgraçado!’ Ao som desconhecido, Radan levantou a cabeça. Leshak se aproximou e estendeu o braço para Radan.
— Pegue meu braço.
— Sim, Meu Senhor.
Radan gaguejou e agarrou seu braço. Leshak viu as bochechas de Radan ficarem vermelhas, não tinha ideia, mas foi a primeira vez que Radan saiu para passear. Radan ficou muito feliz por sua surpresa, estava tão feliz que não podia se dar ao luxo de julgar o quão absurda era essa situação.
Seu coração estava batendo forte. A mão que segurava o braço de Leshak estava cheia de força.
— Ham, obrigado… Sua Alteza.
— Hum?
— A caminhada, muito obrigado…
A paciência de Leshak terminou aí.
— Se você está grato, que tal dar algo em troca, Radan?
— Algo em troca…?
— Sim.
— O que posso fazer?
Havia muita coisa que queria que ele fizesse, só Leshak não podia pedir.
— Por enquanto, eu ficaria satisfeito com um beijo.
Leshak passou o outro braço em volta da cintura de Radan. Suas costas ligeiramente curvadas e seus pés ligeiramente levantados, e então os lábios de Leshak pousaram sobre os dele. Foi um beijo impecável da cortesão para o cortejado. Foi suave e gentil. No momento em que Radan abriu a boca sem noção, o beijo se aprofundou. Foi habilidoso e contido, mas apaixonado e rápido.
— Ah, uh…
Radan soltou um som sufocado. Ao ouvir esse som, Leshak sorriu.
— É o bastante.
Pelo menos Radan não odiou o beijo. A mão de Radan, que segurava seu braço com força antes do beijo começar, nunca desistiu ou o afastou.
Este será o começo… Leshak puxou o ombro de Radan e beijou-o brevemente na testa.
— Foi uma boa resposta. Gostei disso.
— …
— Então vamos.
— …
Antes de dar um passo, Leshak virou Radan para guiá-lo na direção certa.
— Não solte meu braço, se quiser soltar me diga e eu te seguro. Entendeu?
— …sim, Meu Senhor.
A voz de Radan em resposta foi muito baixa e o rubor em suas bochechas nunca parou. Leshak, que estava inconscientemente prestes a estender a mão e acariciar suas bochechas, apertou a mandíbula e se moveu. Ele sabia que se continuasse tocando assim, eles nunca conseguiriam caminhar.
— Fale se eu estiver andando rápido demais. Se seus pés começarem a doer, me diga, podemos parar de andar a qualquer momento.
— OK, Meu Senhor.
— Se você quiser fazer algo diferente de uma caminhada, é só dizer.
— OK, Meu Senhor.
Parecia que os pedidos se tornavam mais longos que a caminhada.
Leshak passou pela entrada do quartel e colocou Radan à sua frente. O sol claro da manhã, sem nada para cobri-lo, atravessou a tenda.
— Ah…
Radan abriu a boca. Hoje foi a primeira vez que ele saiu sem o motivo de matar alguém, o mundo além do portão de ferro estava aqui.
Do lado de fora ficava o acampamento militar, e “a caminhada” consistia em contorná-lo. Não havia nada para exibir e nada muito divertido.
Leshak estava de muito mau humor porque o olhar de todos estava em Radan. Os problemas de guarda-roupa de Radan não melhoraram desde ontem. A única diferença real era que a cor havia mudado de branco para azul, mas ainda estava precariamente pendurado nele, pronto para cair a qualquer momento.
— Eu realmente não posso chamar isso de caminhada.
Leshak murmurou com uma carranca involuntária no rosto. Ele não estava realmente andando, mas sim monitorando-o, estava ocupado se preocupando com a possibilidade de dar um passo errado e cair, ou talvez sua camisa não escorregasse e sua pele nua ficasse exposta, e outras pessoas o veriam. Quanto mais ele se preocupava, mais seus passos ficaram mais lentos.
Cada vez que os passos de Radan o ultrapassaram, suas pernas se enroscavam. Leshak estava segurando Radan como se estivesse prestes a cair, pensou em perguntar se ele gostaria de parar de caminhar por enquanto.
Porém, não foi fácil falar porque o rubor em ambas as bochechas estava ficando mais escuro e muito claro. Uma respiração rápida fluiu da boca de Radan, que o segurou com toda a força. Isso o lembrou de alimentar o cordeiro, e sua surpresa ao ver como era delicioso, a caminhada deve ter sido tão divertida para ele também que não pôde deixar de continuar.
— Radan, ande um pouco mais devagar.
Ao contrário de Leshak, cujo ritmo continuou a diminuir, o ritmo de Radan cresceu cada vez mais rápido. Leshak não aguentou mais suas preocupações e quando falou, Radan perguntou com uma expressão confusa.
— Ah…? Vossa Alteza, suas pernas estão doloridas?
Foi uma coisa estranha de ouvir. O exército de Leshak podia caminhar do nascer ao pôr do sol usando armadura completa e capacetes mais pesados que o peso de Radan.
— Não, de jeito nenhum.
— Bem, então por que…?
— Temo que sua perna fique dolorida.
Radan falou muito rapidamente.
— Oh não. De jeito nenhum.
Era óbvio demais que ele estava tentando transmitir que suas pernas não estavam doloridas.
— Ok, então.
— Sim, Meu Senhor.
Radan agarrou o braço de Leshak com um gesto impaciente. Não houve risadas amargas com tal ação. No momento em que Leshak ia dizer que a estrada não iria fugir mesmo que eles não a vissem hoje, alguém veio correndo por trás.
— Sua Alteza!
Era Karum. Ao ver a respiração ofegante, parecia ter fugido de longe.
— Onde você vai sem guardas…? Haaah-
Karum perguntou apressadamente, enxugando o suor da testa com os antebraços.
— Eu estava dando um passeio e não preciso que você se preocupe com isso.
— Não, dando um passeio em um lugar como este?
Karum olhou em volta com uma expressão confusa. No local havia quartéis alinhados aqui e ali, e cheiro de suor e gente, misturado com cavalo. Nada mais era do que o campo de batalha, onde felizmente nenhuma batalha havia sido travada ainda.
— É porque não tivemos que ir muito longe.
— Mesmo assim, não há nada para ver aqui e também cheira mal.
Leshak mostrou um pouco de irritação.
— É mais importante para Radan sair para passear ao sol do que se preocupar se estiver em um campo de batalha. Vamos, Radan.
Radan assentiu e a caminhada recomeçou.
— Eu também vou.
Karum seguiu a três passos de distância. Leshak imediatamente soltou uma voz irritada.
— Você não vem.
— O quê…?
— Não perturbe a gente.
Karum parou por um momento e disse.
— Mas eu conheço um riacho próximo, Alteza.
— Então?
— Não vale a pena passear lá, do que caminhar aqui?
Mesmo que houvesse um riacho, não havia nada de particularmente bom neste tipo de terreno. Em vez disso, era apenas um caminho antigo e não utilizado, pelo menos foi o que Leshak pensou.
— Alteza, riacho… o que é isso?
Radan nunca tinha visto a água corrente. Ele segurava o braço de Leshak com as duas mãos agora. Radan não percebeu que ainda estava puxando o braço de Leshak.
— … … .
— … … .
Leshak e Karum fizeram uma expressão semelhante ao mesmo tempo. Era uma expressão que dizia que, se a família de Radan estivesse na frente deles agora, eles fariam mais do que apenas cortar um braço ou uma perna.
— Karum.
— Sim, Meu Senhor.
Nenhuma outra palavra poderia ter sido dita nesta situação.
— Me guie até lá.
— Sim, Meu Senhor. Vou assumir a liderança.
Então, Leshak e Radan, incluindo Karum, se dirigiram ao riacho na colina próxima.
***
A sala do porão sem luz estava sempre fria. O portão de ferro estava sempre frio, e mesmo a comida servida uma vez ao dia, embora feita na hora, nunca era servida quente.
Ele sempre foi magro.
Radan passou a maior parte do dia agachado em frente ao portão de ferro. O que ele mais conhecia era a temperatura do ferro. Radan distinguiu a mudança das estações pela temperatura que tocou esta pele. A frieza do portão de ferro mudou sutilmente nas estações alta e baixa.
Ocasionalmente, o Guia vinha buscá-lo e ele conseguia sair. Houve momentos em que o Guia ensinava alguma coisa, dizendo que era necessário. Radan absorveu fielmente o conhecimento que foi útil em assassinatos. Radan, que estava vazio como uma folha de papel em branco, aprendeu tudo o que foi ensinado muito rapidamente.
O conhecimento de Radan era muito desproporcional. Ele não sabia de fatos óbvios, como o fluxo da água do riacho ou que a comida cozida estava quente, mas sabia de coisas completamente inesperadas. Por exemplo, ele conhecia todos os doze sistemas linguísticos do continente. Ele não conhecia as palavras que se referiam a coisas com as quais não estava familiarizado, mas distinguia instintivamente os usos dessas palavras. E uma vez que ele ouviu isso, nunca mais esqueceu.
Ele nem conhecia a palavra riacho, mas Radan conseguiu distinguir corretamente a primeira pronúncia que ouviu. Ele estava sempre sozinho no escuro e fechava os olhos e escutava, então seus ouvidos eram muito sensíveis. Havia poucos sons que Radan não conseguia distinguir.
A caminhada foi uma festa de todos os tipos de sons e temperaturas. Havia outros sons também, o som da respiração de Leshak, dos passos e o som de lamber os lábios por algum motivo desconhecido. Radan ouviu o som do vento com muita clareza, sentiu o calor do solo e das pedras onde o sol brilhava, em sua pele.
Quando uma onda de todos os tipos de conhecimento e sensações de repente surgiu, Radan foi incapaz de voltar a si. Cada vez que ouvia ou cheirava algo novo, Radan balançava a cabeça surpreso. A princípio, Leshak parou um por um, mas logo entendeu a sua reação. Cada vez que fazia, notava que Radan agarrava seu braço com muita força enquanto mordia o lábio para focar. Agora Radan estava mergulhando as mãos na água corrente e gravando silenciosamente a nova sensação em sua memória.
— Ah… — Ele não sabia o que dizer.
O fluxo lento era muito suave. Mas o movimento não pôde ser interrompido. Não importa como você movesse a mão, a água continuava na mesma direção e com a mesma suavidade. Esse novo conhecimento foi inspirador. O solo gramado estava um pouco úmido, mas por ter muita luz solar estava quente. O que ele tocou e o que sentiu na sua pele eram novos. Radan abriu os lábios, algo continuava vazando. Ele continuou a rir.
— Ele não sabe o que fazer com tudo isso. — Leshak disse enquanto se sentava em uma pedra um pouco mais longe de Radan.
No início ele estava ao lado de Leshak, mas quando Radan ficou tão encantado e curioso, pensou que seria bom deixá-lo aproveitar sozinho. Então se distanciou propositalmente de Radan. Karum, que estava parado ao lado de Leshak olhando para Radan, acenou com a cabeça.
— Sim, continua sorrindo.
A testa de Leshak estava sutilmente distorcida.
— Nunca pensei que houvesse pessoas que viriam em um riacho pela primeira vez na vida.
— Eu também.
— E nunca pensei que ficaria tão chateado com esse fato.
— …
Karum não sabia o que dizer sobre isso, então apenas fechou a boca. Leshak continuou a olhar para Radan.
— Quando olho para ele, sinto minhas emoções fervendo. Por que sinto que os infortúnios daquele cara são de alguma forma minha responsabilidade?
— Isso está errado… o que você está pensando, Meu Senhor. Sua Alteza não fez nada de errado.
— Certo, não fiz nada de errado, exceto minha incapacidade de acabar com a guerra por sete anos. Estou com raiva de mim mesmo.
— Não pense nisso, Meu Senhor. Não precisa se sentir assim. Não importa quão forte seja o império, é difícil lidar com cinco países ao mesmo tempo. Nunca será fácil.
— Não gosto das baixas inesperadas e dos danos causados pela guerra.
Mesmo depois de dizer isso, Leshak ficou confuso. Foi realmente a morte de pessoas com quem ele realmente não se importava, ou será que o passado tornou a vida de Radan assim, que ele não gostou?
Karum abriu a boca de vergonha. Um sentimento de tristeza tomou conta dele. Era como se ele sentisse que se Sidris ou Abadd, estivessem aqui, eles teriam dito as coisas melhor.
— Vossa Alteza está indo muito bem, as forças lideradas por você nunca foram derrotadas em nenhuma batalha. Mas guerra e batalhas são diferentes… não tenho talento para dizer nada de bom, mas acho que provavelmente está nas mãos de Deus. Sua Alteza! Todos acreditamos e seguimos você… sabemos que fará o que é certo.
— Eu também sei que vocês têm se saído muito bem nos últimos sete anos. Não estou falando sobre isso. O que estou tentando dizer é… . Merda, me sinto um idiota dizendo isso, mas é sobre o passado de Radan que não posso fazer nada. Por que quero tocá-lo mesmo sabendo que não posso? Me sinto sujo querendo, sabendo que não posso.
Karum finalmente entendeu Leshak. Mesmo que sempre dissessem que ele era chato, agora conseguia entender o que Leshak quis dizer.
— Isso significa… você o ama, meu senhor. Você quer fazer coisas que são impossíveis para ele.
— É mesmo?
— Sim.
Leshak sorriu amargamente.
— Sim, sei que estou enlouquecendo. Eu até penso, gostaria de não estar em guerra. Se fosse no Palácio Kratis, poderia ter certeza de que não faltaria nada para ele.
— Então, se a guerra terminar rapidamente, acho que tudo ficará bem, Alteza.
— Sim. Estou desesperado por isso também. Quando o período de luto terminar, vou ter que erguer minha espada pra valer.
— Também vou me preparar.
Radan, que ouviu a conversa indesejável, ficou perplexo.
E Radan, que ouviu a conversa, também ficou confuso. Ele é uma boa pessoa. Radan, que ainda estava mergulhando a mão na corrente, ficou distraído.
Ele disse que o ama. Ele disse que é porque se preocupa muito com ele, e que quer fazer muito por ele. Mesmo agora… muito.
Mas ele é o Príncipe Leshak. Ele é irmão de Laud. Ele não sabe o que fazer. Ele não acha que podia matá-lo. ‘Sinto muito, Laud.’
Foi quando Radan, oprimido pela culpa, não estava prestando atenção.
Desliza˜
Algo vermelho escuro brilhava sobre a água do riacho. Com cabeça triangular pontiaguda e corpo comprido como um galho, era uma cobra desconhecida.
Desliza ˜
A Cobra cortou a corrente das águas, direto em direção a Radan. Quando a cobra finalmente levantou a cabeça para fora da água…
— Merda! Radan!
… só então Leshak viu a cobra.
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LILITH TRADUZ (@lilithtraduz)