Lua de Sangue - Novel - Capítulo 8 - O Peso Da Sinceridade
Fazia uma semana desde a morte do conde Custer. A batalha aberta foi adiada para lamentar sua morte e para confortar os homens alistados do conde que recentemente se juntaram a eles. Seu filho, que herdou o título em nome de seu pai, viria ao campo de batalha para assumir o comando dos alistados. Entretanto, as fronteiras entre o acampamento e o exterior foram reforçadas, caso o inimigo lançasse um ataque surpresa para aproveitar a desorganização durante o período de luto.
— Alteza.
Era de manhã e hoje era responsabilidade de Karum prestar atendimento matinal a Sua Alteza. Ele foi na tenda de Leshak com uma banheira de água. Era um balde grande o suficiente para caber uma pessoa, mas podia ser segurado facilmente nas mãos de Karum. Como sempre, ele entrou abruptamente na tenda sem esperar permissão.
— Trouxe água para o seu banho.
— Shh.
Para surpresa de Karum, Leshak já estava acordado, embora fosse muito cedo. Leshak não era o que você chamaria de “pessoa matinal”. Ele costumava ficar um pouco preguiçoso pela manhã, mas hoje já estava bem acordado. Com um movimento trêmulo, Karum largou o balde com água com muito cuidado.
— Uh, qual é o problema…?
— Ele ainda está dormindo. Acho que ele só adormeceu de madrugada.
— … … ?
Karum virou a cabeça e viu Radan enterrado no cobertor de Leshak.
— …huh? — Suspirou Karum.
Leshak puxou o cobertor até a nuca de Radan. Radan estremeceu um pouco, mas não deu sinais de acordar. Karum olhou para a cena com uma expressão confusa, enquanto coçava a nuca.
— O que Sidris ou Abadd diriam se soubessem que você dormiu na mesma cama que ele?
Leshak desviou a cabeça de Radan e disse com uma expressão um tanto taciturna.
— O quê?
— … err… humm? Não, é… é só que você está colocando seu amante na cama. Não importa se é um cessar-fogo ou não, ainda é um campo de batalha. É contra a etiqueta militar… .
— Decidi alterar este regulamento.
— … …?
Os olhos de Karum rolaram, ele não conseguia acreditar no que acabou de ouvir.
— Senhor?
— Esse cara não é meu amante.
— Bem então…?
— Não sei. — Respondeu Leshak enquanto se levantava, tentando não tocar em Radan.
— Ele é o seu parceiro?
— … parceiro?
Ao dar um passo para trás, Karum quase tropeçou no balde de água. Karum agitou os braços enquanto lutava para manter o equilíbrio.
— Isso é algum tipo de namoro? — Perguntou Karum, que estava se perguntando quem estava cortejando quem?
— É isso que é.
Leshak disse isso como se não fosse nada especial. Foi Karum quem ficou chocado.
— Espera, o que está acontecendo aqui?
— É simples, eu quero esse cara, mas ele não me quer.
— Perdão… ?
Karum balançou a cabeça violentamente. Ele também nunca pensou que haveria alguém que não quisesse o Príncipe Leshak. Era um fato que, não só devido ao seu prestígio, Leshak era sem dúvida o homem mais procurado do continente. Além disso, ele era o Príncipe Herdeiro do Império Ibeden. Quem se importa se o prostituto quer Leshak ou não.
— Ele não é um prostituto?
O Príncipe poderia levá-lo se quisesse, ele é o Príncipe! Foi uma manhã estranha em que se negaram fatos simples e claros. Foi um dia de pernas para o ar, como um dia que começou com o pôr do sol e terminou com o nascer do sol.
— Não mais.
— …
Faça a pergunta, ouça a resposta e se surpreenda mais uma vez. Foi a mesma coisa repetidamente. Karum sentiu o maxilar formigar na boca, porque estava apertando com muita força.
— Espere, sério!? Você está falando sério agora?
— Estou falando sério?
— Sim, você está falando sério!? Porque você está assim? Você está tão sério quanto um cavaleiro que jura pela espada enquanto segura seu coração assim?
Leshak esfregou o queixo.
— Bem… eu não sei sobre isso.
— Então o quê?
— Eu apenas pensei que não iria forçá-lo.
Leshak ficou na frente da banheira de água de cueca e cerrou a mandíbula. A poucos metros de distância, Karum examinava o corpo de Leshak. Sempre que via seu físico o admirava. Ele virou a cabeça timidamente quando seus olhos encontraram a parte central de seu corpo, que estava escondida pela cueca. Não seria útil olhar para isso.
— Eu quero ele. Quero vê-lo sendo tratado da melhor forma e se divertir ao meu lado. Então vou fazer com que ele diga que quer ficar comigo.
— Hum, bem, isso é…
Parece que é isso que está acontecendo agora. Karum coçou a nuca novamente. Ele pensou que era algo que não deveria tentar discutir agora. Para os homens do Príncipe Leshak, a sua vontade era absoluta! Se ele quisesse, então era a coisa certa a fazer. Se o desejo de Leshak era que aquele prostituto fosse feliz, o ajudaria fielmente.
— Sim, eu entendo. Então eu… bem, como devo chamá-lo?
— Hum… isso é mesmo uma preocupação?
— Pode ser. — Karum encolheu os ombros.
— Bem, não podemos chamá-lo de ‘Senhora’.
Depois de lavar o rosto, Leshak sorriu suavemente e estendeu a mão. Karum entregou uma toalha limpa.
— As roupas são mais urgentes que os títulos. Chame o alfaiate o mais rápido possível.
— Sim, Meu Senhor.
Depois que Leshak secou o rosto, Karum pegou a toalha de volta e preparou uma muda de roupa. Ao terminar de trocar de roupa, Karum saiu com o balde d’água dizendo que traria mais água para Radan se lavar. Como se tivesse sido perfeitamente cronometrado, ouviu-se um farfalhar vindo da cama. Leshak, que agora estava limpo, se aproximou da cama.
— Radan, você acordou?
Ele não sabia se estava acordado por causa da venda. Radan saiu do cobertor esfarrapado e assentiu.
— …sim, Meu Senhor.
Havia um rubor em suas bochechas porque ele não havia dormido o suficiente. Leshak estendeu a mão e esfregou a bochecha de Radan. Foi bom ver um pouco de sangue em seu rosto pálido. Ele se abaixou e colocou os lábios brevemente na testa de Radan.
— Bom dia.
— Ah sim.
A vermelhidão se intensificou, mas não foi só por causa do beijo na testa. Radan estava acordado desde que Karum entrou e ouviu a maior parte da conversa. Leshak queria vê-lo se divertindo. Disse que iria cortejá-lo até que quisesse estar ao seu lado, depois de ouvir essas palavras, Radan sentiu como se seu cérebro fosse explodir…
***
— Sua Alteza… ?
Uma visão rara se desenrolou diante da tenda do Príncipe. O Príncipe se sentou no chão em frente da tenda e olhou para o céu distante. Os cavaleiros guardiões ficaram surpresos quando o viram.
— O que o Senhor está fazendo?
— Infelizmente.
Ele disse isso enquanto suspirava. Leshak olhou para Abadd. Foi a primeira vez que ele viu a expressão de Leshak assim. Era um rosto ligeiramente ferido.
— Radan está se lavando.
— …entendo.
‘Então…?’ Abadd perguntou com um gesto.
Era como se nenhuma palavra saísse.
— Ele não pode lavar o rosto com aquela venda.
‘Novamente, e daí?’
— Ele disse que não queria me mostrar.
‘Ele fez o quê?’
— …então é por isso que você está aqui fora?
— Não é nada demais. Quando pedi para tirar, ficou apavorado e não sabia o que fazer.
Sem dúvida isso foi suficiente.
— Estou preocupado que isso possa parecer uma observação pretensiosa, Sua Alteza, mas você não está preocupado que ele esteja escondendo algo sobre a venda?
— Escondendo algo? Como o quê?
— Então… algo como uma arma de assassinato.
A expressão de Leshak ficou fria.
— Se fosse esse o caso, eu estaria morto antes do amanhecer.
— Você dormiu ao lado dele?
Então, ele realmente dormiu com um prostituto que poderia ser o assassino desconhecido? Por favor, deixe sua mente tranquila. Não, ele está realmente dizendo isso?
— Faz muito tempo que não durmo. — Leshak acrescentou como desculpa.
Abadd não quis ouvir suas desculpas.
— No entanto, você não deveria estar aqui assim…
As palavras de Abadd foram inúteis. Leshak não estava acostumado à coerção e sempre fazia o que achava certo. É que o que ele queria fazer no passado sempre fez sentido para os outros.
— Encontraram alguma roupa nova no meu guarda-roupa? — Perguntou Leshak.
— Parecia haver mais alguns, Majestade. Claro, são todas roupas semelhantes. — Respondeu Abadd
— Traga, Radan precisa de uma muda de roupa.
— …com licença, Meu Senhor, você não deu a ele roupas novas ontem à noite?
— O nó está rasgado.
— Ham? Como foi…?
Abadd estava prestes a perguntar o motivo, quando seu rosto endureceu de repente. Se as roupas do prostituto estivessem rasgadas, a responsabilidade cabia exclusivamente ao cliente. O problema é que o cliente era Leshak.
Abadd sabia que Leshak não era o tipo de pessoa que cometeria um ato selvagem e feroz, como arrancar as roupas do oponente de excitação. Mas foi isso que aconteceu.
— Por que?
Leshak olhou para Abadd pateticamente. Abadd gemeu como se dissesse: ‘Não, Majestade, não tenho experiência em rasgar a roupa de outro homem, e é uma pena que Vossa Alteza seja assim…’
— Ei, foi bom? — A boca de Abadd falou livremente
Na verdade, Abadd estava convencido de que qualquer homem que conhecesse Leshak não teria outra escolha senão fazer tal pergunta. Leshak era o tipo de pessoa que perguntava seriamente sobre as intenções do parceiro antes de tirar a roupa. Mas a resposta que retornou foi vaga.
— Não… porra. Não é desse jeito.
— … ok, Meu Senhor?
— Estamos em período de namoro.
— …perdão?
‘Que namoro?’
— Ele ainda não gosta de mim.
Leshak fez a mesma expressão ligeiramente magoada novamente. Abadd apenas abriu a boca.
— Isso… é perigoso. Você está falando sério? …um prostituto?
— Mas ele logo vai gostar de mim. Estou fazendo o meu melhor para cortejá-lo.
Parecia que o boato era real. Então uma pequena voz foi ouvida de dentro da tenda.
— Ah, eu… já terminei de lavar…. Majestade.
Leshak se levantou de um salto.
— Traga as roupas junto com as refeições. Ele ainda acredita que é carne de cobra, então cuidado com o que fala.
Depois de terminar de falar, Leshak entrou na tenda sem esperar resposta.
— Ah, Meu Senhor…
Depois de chamar Leshak, Abadd ficou ali atordoado. Para falar a verdade, ele queria chamar seu nome corretamente. Então Deus pode estar disposto a ouvir um pouco suas orações. Em algum momento Sidris se aproximou e deu um tapinha no ombro dele
— Ei, se acalme.
Abadd percebeu que Sidris e Karum estavam observando à distância, enquanto ele estava tendo aquela dolorosa conversa com Leshak. Ele olhou para os dois e disse.
— Vocês vão ajudar?
Sidris virou a cabeça e Karum balançou a cabeça com firmeza.
— Isso não vai acontecer.
— O quê? Você viu Sua Alteza agachada no chão? Você não quer parar com isso?
— Não há nada que eu possa fazer. Originalmente me disseram que para conquistar o coração de uma lady, você tinha que dar tudo, como um tolo.
Abadd estalou a língua.
— Seu bastardo maluco! Ele é um prostituto, não uma senhora.
— Isso é o que ele é para você.
— O quê?
— Você está falando sério?
— Huh? Isso faz sentido?
— Você já viu Sua Alteza tão apaixonado por alguém?
— …hum.
As palavras de Karum foram indescritivelmente afiadas.
— Não, não, até onde eu sei. Então, acho que ninguém sabe como agir quando vê Sua Alteza sendo sincero.
Os ombros de Abadd caíram impotentes.
— Você realmente tem que dizer isso? Não importa o que aconteça, é demais admitir que ele está atrás de uma pessoa assim.
— Não haverá dor de cabeça. Sua Alteza ainda é solteiro e está livre para ter um relacionamento amoroso. Já jurei que se Sua Alteza se preocupa com ele, irei segui-lo.
Abadd soltou um suspiro de resignação.
— Isso parece certo. Penso igual a você. Se é isso que Sua Alteza pensa, então não tenho o talento ou a coragem para dissuadi-lo.
Sidris, que estava em silêncio, se virou de repente.
— Ei, onde você está indo?
Sidris respondeu com uma mistura de passos ásperos e rangentes.
— Você vai visitar o alfaiate depois do café da manhã? Tenho que parar num lugar antes disso.
Seja lá o que for, Abadd percebeu imediatamente. Ele correu e ficou atrás das costas de Sidris.
— Vamos juntos.
— …você notou alguma coisa?
— Então, você não sabe?
Sidris iria ver o cafetão de Radan, cujos membros foram decepados. Eles foram autorizados a sair sob o pretexto de trazer um alfaiate, para que ele pudesse rastrear.
***
O Palácio de Asilah, o primeiro palácio do Reino de Kemened, também era chamado de Palácio do Labirinto. Recebeu o apelido porque o jardim norte era feito como um labirinto com muitas árvores de jardim, porém poucas pessoas sabiam a verdade.
Os jardins do norte são apenas um subterfúgio. O verdadeiro labirinto do Palácio de Asilah era subterrâneo. A entrada para a passagem subterrânea em forma de labirinto que atravessa toda a capital de Kemened começava no Palácio de Asilah. As únicas pessoas que utilizaram o caminho foram aquelas a quem foi concedido o nome de Guia, pela família real Kemened, de geração em geração. E hoje alguém abriu a entrada da passagem subterrânea do Palácio de Asilah. Ele foi escolhido como o novo Guia.
— A estrela mais brilhante ao amanhecer é a orientação de Al Riksha. Eu queria ver você, segundo Príncipe do grande Kemened, Príncipe Laud.
Foi a saudação de um novo Guia que entrou no escritório de Laud sem ninguém saber. A confusão apareceu no rosto de Laud, seguida de alívio.
— Por que você está aqui agora! Por que ele não veio?
O Guia que cobria o rosto com um capuz preto respondeu.
— Assumi o papel do próximo Guia.
— …o quê? Então…
— Parece que o Guia não conseguiu completar sua missão e foi pego pelo Leshak.
— Ah…
Loud caiu no chão.
— Fracassou… você está dizendo que falhou? Foi pego pelo Leshak? Ele está vivo?
— Vivo.
A resposta do Guia irritou Laud.
— Droga! Por que?! Por que?!
BANG!- Laud bateu na mesa com o punho nu. A pele pálida da família real estava rasgada e sangrando. Laud não sabia o que fazer. Ele esmagou isso e aquilo e desabafou sua raiva.
— Então… e a cobra azul?
— Não sei dizer.
— O quê? O que quer dizer?
O Guia respondeu.
— A cobra azul parece estar viva e, pelo que a organização apurou, parece que a identidade não foi descoberta. É certo que a cobra azul está hospedada no acampamento de Leshak.
— Como…?
Os olhos de Laud se arregalaram. O Guia baixou a cabeça.
— Se você me permitir, assumirei o papel de Guia, a cobra azul, e a morte do Príncipe Leshak.
Laud sentiu seu punho doer agora. O sangue que parecia ter parado começou a circular novamente por seu corpo. Laud suspirou. Foi um alívio.
— Vou permitir. Desta vez, se certifique de trazer a resposta que quero ouvir.
— Glória de Al Riksha a Kemened.
O Guia desapareceu pelo labirinto…
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LILITH TRADUZ (@lilithtraduz)