Lua de Sangue - Novel - Capítulo 3 - O Nome Do Prostituto
A porta grossa se abriu e Radan levantou a cabeça reflexivamente. Nem todos os portões de ferro estavam abertos. A porta lateral, que foi feita abrindo um buraco no portão de ferro apenas grande o suficiente para um cachorro pequeno entrar e sair, estava aberta.
— Aqui é a sua refeição.
Radan caminhou até a porta de joelhos, mas até isso tinha limitações. A corrente que estava presa a Radan nunca permitiu que ele alcançasse a porta.
— O-Obrigado.
Radan falou baixinho com quem trouxe a refeição.
— … Sua Alteza.
— …
Laud não disse nada. O nome Laud era o Segundo Príncipe do Reino de Kemened.
Radan estava muito familiarizado com isso, já conhecia a amargura de não obter uma resposta. Mas ainda o deixou triste.
Ele morava em um quarto sem uma única luz e, sobre os olhos, usava uma venda de ferro que os cobria e uma pesada corrente em volta do pescoço.
A porta lateral que havia sido aberta por um momento fechou novamente e a barra foi abaixada no lugar. Depois de ouvir o som do metal pesado caindo, Radan tateou o chão para encontrar a tigela. Era a mesma refeição de sempre. Um copo de leite, um pouco de água e carne seca de cobra.
Radan bebeu o primeiro leite. Era distinguível da água pela forma da tigela. A água tinha que ser conservada. As refeições eram dadas apenas uma vez ao dia e ele não podia beber muita água porque acabaria muito rápido. Depois de engolir um pouco de leite, Radan pegou um pedaço de carne seca de cobra, não gostou do sabor nem do cheiro, mas Radan nunca teve permissão para mais nada.
Ele mastigou e engoliu o forte cheiro de peixe. Então, de repente, o som de uma porta se abrindo foi ouvido novamente. Radan virou a cabeça surpreso.
— Radan.
‘Laud está de volta!’
Radan rapidamente enxugou os lábios leitosos com as costas da mão.
— Sim, Vossa Alteza.
— Você está usando o anel de ferro?
— Sim, Vossa Alteza.
— Você pode jurar por Deus?
— Claro.
— Bom.
A porta de ferro, não a pequena porta lateral, se abriu. Radan sentiu o coração bater forte.
No passado, esse portão de ferro era aberto com mais frequência. Quando ele era jovem e Laud ainda não havia atingido a maioridade. Naquela época, Laud até trazia doces para Radan.
Mesmo quando ele estava crescendo, os doces eram a comida mais deliciosa de que ele se lembrava.
— Muito bom.
Laud, que entrou com a porta de ferro aberta, repetiu as mesmas palavras. Radan sabia o que queria. Ele estava se referindo ao fato de que o anel de ferro estava definitivamente cobrindo seus olhos. O anel de ferro também foi coberto com um pano preto para acalmar suas ansiedades.
Radan às vezes queria dizer a ele que mesmo sem uma venda de ferro ou pano preto, ele nunca abriria os olhos para eles. Mas ninguém, incluindo Laud, teria acreditado em Radan. Para convencê-los, Radan sempre usava a faixa de ferro e o pano preto para cobrir os olhos.
— Confirmei que o Conde Custer está morto, ótimo trabalho.
Radan assentiu.
— Sim, Vossa Alteza.
Laud, que estava observando Radan de uma distância ainda maior do que a corrente permitia que ele se movesse, falou agressivamente.
— Então por que você não matou Leshak Caliph?
— … …
A cabeça de Radan parou de tremer. A voz furiosa de Laud continuou.
— Fiquei sabendo que Leshak Caliph saiu para procurar o conde Custer, que havia deixado o acampamento. Radan, você realmente não se encontrou com Leshak Caliph?
A resposta veio depois que alguns suspiros foram engolidos.
— Meus olhos… estavam cobertos… até que alguém me diga, eu não… sei… .
Ele tinha dificuldade em falar frases longas corretamente.
Radan, que estava trancado atrás de um portão de ferro desde muito jovem, não tinha com quem conversar. Incapaz de aprender a falar corretamente, ele falava arrastado como uma criança.
— Merda! Perdendo uma oportunidade dessas!
Laud bateu o pé. Ele sabia que Radan não estava errado. O atual rei do Reino de Kemened, Alsanu III, tem demência, e o Primeiro Príncipe (seu irmão mais velho) iria suceder ao trono, mas agora ele foi devastado por um grave ferimento sofrido na guerra. Na tenra idade de vinte e três anos, foi o 2º Príncipe, Laud, que esteve em guerra com o Império Ibeden por mais de três anos. Mesmo ao lidar com cinco países juntos, o poder do Império era terrivelmente forte.
Durante a Guerra dos Sete Anos, o Reino de Kemened chegou ao ponto de morrer de fome, mas o Império não se mexeu. Radan sabia por que Laud estava batendo os pés. Ele estava apavorado. O exército do Príncipe Leshak está empurrando a fronteira com um impulso de onda. Chegará o dia em que eles marcharam para a capital de Kemened e derrubaram os portões, reuniram toda a família real e os pregaram nas paredes em ruínas.
— Radan.
Radan olhou para ele com uma expressão triste no rosto. Não, o termo ‘olhar’ não poderia se aplicar a alguém com duas vendas nos olhos.
Radan queria cuidar de Laud, queria protegê-lo.
Ele queria cuidar de seu irmãozinho, que era dois anos mais novo que ele, com carinho e consolá-lo como um irmão mais velho normal faria.
— Me ajude.
— ……
Radan mordeu o lábio. Isso o lembrou do beco nos bordéis onde ele acidentalmente esbarrou no Príncipe Leshak.
‘Deveria tê-lo matado mesmo que isso significasse que eu morreria lá?’
Pensando em seu pai e seus irmãos, não importa o quão bom Leshak o fizesse se sentir, ele tinha que matá-lo. Uma coisa era certa, se ele tivesse tentado matar Leshak, certamente teria morrido também.
Havia um Cavaleiro Guardião ao lado de Leshak. Vendo que não ouvia passos, ele podia adivinhar que era um cavaleiro tão excelente quanto o próprio Leshak. Ele não matou Leshak porque o Príncipe Herdeiro era um homem bom, Radan queria voltar para casa vivo para que ele pudesse estar com sua família.
— O-o que quer dizer….. Vossa Alteza.
— Mate o Leshak!
— ……
Radan teve que dizer a mesma coisa. Se ele quer matar o Príncipe Leshak, ele também tem que morrer. Leshak tem doze Cavaleiros Guardiões que nunca saíram de seu lado. Eles eram cavaleiros que podiam formar um exército com apenas doze deles sozinhos. O exército do Príncipe Leshak, liderado por eles, nunca foi derrotado. As pessoas chamavam os Cavaleiros Guardiões do Príncipe Leshak de fortaleza que guardava o Império.
— Você consegue.
Para assassinar o Príncipe Leshak, tem que criar uma oportunidade para os dois ficarem sozinhos. No entanto, Leshak nunca foi a bordéis ou procurou prostitutas. Ele não tinha descoberto uma maneira de esconder sua identidade e abordá-lo. Se não fosse esse o caso, Radan teria sido enviado para matar Leshak antes.
— Eu não posso fazer isso… .
— Não aguento mais essa guerra. Tudo está no meu limite. Dinheiro, comida e pai também! Outros países que começaram esta guerra juntos só estão preocupados em encher seus próprios estômagos! Você não sabe de nada porque está sendo servido todas as suas refeições aqui!
— … …
Foi Alsanu III quem aprisionou Radan aqui, junto com seu filho mais velho. Eles eram o pai e o irmão mais velho de Radan. Ele disse que era porque Radan nasceu com olhos de basilisco*.
(N/t: Assim como a Medusa, os olhos da Basilisco matavam quem os fitava, mas os caçadores que se dispunham a matá-lo usavam espelhos para que, vendo sua própria imagem refletida, o Basilisco se matasse com seu próprio poder.)
A primeira a morrer foi a Rainha. A rainha morreu repentinamente enquanto segurava seu filho mais novo nos braços e tentava olhá-lo nos olhos. Ninguém sabia o porquê. Foi só depois que as enfermeiras morreram uma após a outra que a maldição foi revelada, estava nos olhos de Radan. Assim que nasceu, Radan se tornou um assassino que matou sua própria mãe.
A partir de então, ele viveu na escuridão com um pano preto amarrado em volta dos olhos. A única vez que ele podia ver o mundo era quando matava alguém. Quando ele cresceu até certo ponto e foi capaz de pensar por si mesmo, pensou ‘Então, eu não preciso ver’. Ele desejou que os olhos do basilisco desaparecessem.
Então a guerra com o Império começou. Alsanu Ill, que havia sofrido derrotas desde o início da guerra, percebeu porque Deus havia criado um monstro chamado basilisco e o enviado para nascer no Reino de Kemened. Aquele monstrinho poderia ter matado todos os humanos do mundo com apenas um olho aberto.
Radan aprendeu que, para remover o pano que cobria seus olhos, alguém morria. Usando túnicas esfarrapadas e colocando-o no campo de batalha, Radan foi capaz de matar os cavaleiros mais famosos do Império, que o exército Kemened nunca poderia matar. Alsanu Ill confortou seu filho mais novo, que estava com medo de abrir os próprios olhos, com essas palavras.
— Se você ouvir com atenção e este país vencer o Império, aceitarei você como meu filho. Haverá quatro assentos ao lado do meu trono, assim como seus irmãos.
Então Radan se tornou o assassino mais jovem do continente. Às vezes disfarçado de órfão que perdeu os pais no campo de batalha, de recém-chegado ou de prostituta mais velha, Alsanu III matava aqueles que queriam matar. Alsanu Ill alimentou Radan apenas com carne de cobra. Era para fortalecer a maldição do basilisco. Ninguém sabia se aquela afirmação era verdadeira ou não, mas ninguém poderia provocar o nome do rei.
Assassinato, campos de batalha e o cheiro de peixe de carne de cobra. Agora todos estão acostumados. Sentado atrás de um portão de ferro sem uma única luz, esperando o som ocasional de passos familiares.
Eles nunca disseram: — Você pode me chamar de irmão agora.
Ele já estava acostumado com eles, nunca dizendo isso. Ele estava tão acostumado com isso que não conseguia mais se desacostumar.
Laud deu mais um passo. Radan enrugou a ponta do nariz sem perceber. Laud sempre teve um cheiro estranho de grama. Radan não sabia que era porque as criadas queimavam ervas para Laud, que não conseguia dormir à noite.
— Radan, — Laud falou novamente.
— Eu sei que você tem medo de que ir atrás do Leshak Caliph possa ser diferente das outras pessoas. Talvez você não consiga voltar em segurança.
— Eu sei… … .
— Mas se a gente matar o Leshak Caliph, podemos acabar com esta guerra.
Laud estava cansado. A razão pela qual Kemened conseguiu continuar a guerra até agora é que havia um assassino chamado Basilisco. Por outro lado, a tentativa de assassinato do Príncipe Leshak foi uma aposta muito pequena. Mesmo Alsanu III não pensou em jogar aquele dado, ao tentar assassinar o Príncipe Herdeiro. Se este assassinato falhar, a guerra terminará em uma vitória triunfante para o Império Ibeden. Mas se ele conseguir…
— …podemos acabar com todas essas malditas coisas.
Não era apenas a guerra que ele temia. Mesmo que conseguissem acabar com o pesadelo da guerra, Radan poderia um dia erguer os olhos para eles. Se Radan mata o Príncipe Leshak, então o Exército Imperial Ibeden mata Radan. Laud abriu bem os olhos na frente de seu irmão cego.
— Você vai fazer isso, Radan?
— Eu… bem…
— Por favor.
Laud mordeu os dentes e soltou uma mentira que nunca quis contar.
— Se matar o Leshak, vou reconhecer você como o Terceiro Príncipe do Reino de Kemened.
— ……
Radan engoliu em seco. Laud soltou uma risada silenciosa e torta. Este monstrinho não entendia mentiras. Ele nem conhecia o sabor da comida, exceto carne de cobra ainda.
— Você vai fazer isso, Radan?
Laud sabia que Radan logo acenaria com a cabeça. O dado foi lançado. Foi um dado que nunca havia sido lançado contra o Império antes.
***
— É um assassino desconhecido.
Era o quartel do Príncipe Leshak. Doze cavaleiros guardiões reunidos em um só lugar. Eles estavam cercando o cadáver do Conde Custer em um caixão. Sidris, um dos Cavaleiros Guardiões, apontou para os olhos do cadáver.
— Sem dúvida.
Onde costumavam estar os olhos do cadáver, agora era apenas um poço hediondo. Eram as características de um cadáver morto pelo assassino desconhecido.
— Com certeza se disfarçou de prostituta. Ali naquela rua, ninguém teria desconfiado.
— Porra. Estamos sendo atacados assim novamente. Eu preciso de um tempo.
Um Cavaleiro Guardião chamado Karum coçou a nuca enquanto seu cabelo curto e duro caía. Abadd então encolheu os ombros para indicar que Karum estava com problemas. Enquanto Karum inclinava a cabeça como se perguntasse por quê, Abadd apontou para o rosto meio derretido do Conde Custer. Karum abriu os olhos. Sidris soltou uma voz fria sem tirar os olhos do cadáver.
— Vocês dois. Se você vai brincar, vá embora.
Karum e Abadd pararam de se mover e olharam para Sidris.
— Esse assassino desconhecido não é brincadeira.
Karum empalideceu e baixou a cabeça. Abadd parecia como se nada tivesse acontecido.
— Certo, estou farto desse assassino desconhecido nos últimos sete anos!
O assassino desconhecido foi chamado assim porque ninguém sabia nada sobre ele. Eles não sabiam sua idade ou sexo. Eles não sabiam quem o ordenou, ou como ele matou seu inimigo. Apenas um corpo nesta mesma condição foi deixado para trás. Um cadáver com os dois olhos derretido preto.
No entanto, o impacto do assassino desconhecido na guerra foi enorme. A principal razão pela qual o Império não conseguiu encerrar a guerra com um pequeno país por sete anos, apesar de seu enorme poder, foi devido ao assassino. Em grandes batalhas, assassinatos que eliminaram com precisão as figuras-chave do Império em pontos críticos no tempo sempre foram uma forma eficaz de derrubar o vencedor. Como resultado, o Império, que deveria ter encerrado a guerra antes, perdia uma vitória decisiva todas as vezes, e o país inimigo estava sem fôlego.
— Este é um evento realmente incrível. Quando os quinhentos soldados do Conde Custer entrarem na guerra, a fronteira oeste poderá ser empurrada para o outro lado de Merv. Se isso acontecer, o exército de Leshak estará a apenas meio dia da capital de Kemened. Eu teria assassinado o Conde Custer para evitar isso também.
(N/T: Meio dia corresponde 12 horas longe da fronteira)
Não foi uma ideia muito feliz, mas Sidris assentiu.
— Eu acho que sim.
Ele virou seu olhar e falou com Leshak que estava quieto até agora.
— O que faremos agora? Vamos fechar os bordéis?
— Não.
Leshak balançou a cabeça. A expressão feroz em seu rosto o tempo todo foi cortada com uma razão legal.
— Já é tarde demais. Se ele fosse uma pessoa tão previsível, ainda não seria chamado de ‘O Assassino Desconhecido’.
— Então você vai deixar desse jeito?
— Não, isso também não.
A testa reta, perfeitamente simétrica de um lado para o outro, foi distorcida pelo acréscimo do peso de seus pensamentos.
— Faz menos de uma semana desde que o Conde Custer se juntou a nós. Porém, o assassino desconhecido sabia que iria encontrar no bordel de Merv hoje, isso é algo que nem a gente sabia.
Sidris acrescentou uma palavra suave.
— A informação foi muito rápida… deve ter tido de outra forma?
— Existe um contato, ou o assassino desconhecido pertence a um bordel. De qualquer forma, ele não deve estar longe.
Leshak mudou sua expressão. Um sorriso claro apareceu em seus lábios.
— Vamos tentar usar isso. Vamos ver com que rapidez vai se espalhar a informação de que o Príncipe Leshak visitou o bordel sozinho.
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LILITH TRADUZ (@lilithtraduz)